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Poema de desencanto e de combate
às quatro mulheres que amo
e à memória de Luís Abel Ferreira
Não há esperança
e…, ainda bem.
Pôr o amor à distância
e dedicar-se à agricultura
biológica.
Multiplicar o verde das alfaces.
Nunca foi preciso regressar ao real.
O real impõe-se com tanta realeza,
paramentado, ungido, sacerdote
que sacode segredos do capote!
O real reina, rima, rami-
fica-se
num enormíssimo ramo de rosas
antes do suicídio.
Não há esperança
e…, ainda bem.
Pôr a dor à distância
e dedicar-se à agricultura
com pesticidas.
Multiplicar o verde dos venenos.
O que, por real, se entende,
tem sido mal entendido
por gerações de poetas
sem antenas
ou só metade semi-descritivos
que é chão que não dá uvas:
e a fermentação urge toda nua
das uvas bem pisadas por mil putas
prà grande bebedeira cristalina.
Não há esperança
e…, ainda bem.
Viver condor
(transferência de um estado doloroso
para o nome de uma ave de rapina).
Pôr o amor à distância?
Nanja eu. Voar custe o que custar.
Quero o amor mais perto de mim
do que a minha veia jugular;
e quero pôr a dor à distância
mesmo sem esperança.
O real não tem fronteiras.
Impossível separar o real do espírito.
Ou amputar-lhe a mão azul
que se apodera da transcendência.
E aqui é que bate o ponto da distância.
De Deus, já não há verosimilhança,
mas, sim, ausência ou indiferença,
ou a moda da incompreensão de Buda,
que semeou as papoilas do ópio
com os cílios das suas pestanas
e não alfaces.
Não há esperança
e…, ainda bem.
Só a distância é que nos salva?
É melhor tirar a égua da chuva.
O real não perdoa
e…, o amor também não.
António Barahona, in Telhados de Vidro nº.17, Averno