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De há dois anos para cá,
Sinto um enorme desgosto
Neste catorze de Agosto.
E este ano, para agravar
Esta agonia mortal,
Deu-me uma vontade imensa
De voltar a Portugal.
De que tudo fosse como dantes,
Copos de vinho no ar a tilintar,
Comemorando o teu nascimento
Ó meu amigo, ó meu irmão ímpar.
Queria voltar a ver o teu sorriso,
Poder apertar a tua mão
E voltar a passear contigo
Partilhando a nossa solidão
Queria saber-te aí,
nos sítios do costume,
Rodeado de livros,
Com esses olhos vivos
Como lume
Mas, quem sou eu para querer-te aqui comigo?
Para colocar à frente dos teus
Desejos meus,
Se os teus 40 anos,
Decidiste festejá-los junto a Deus?
Timbó, Santa Catarina, Brasil, 14 de Agosto de 2013
Poema de desencanto e de combate
às quatro mulheres que amo
e à memória de Luís Abel Ferreira
Não há esperança
e…, ainda bem.
Pôr o amor à distância
e dedicar-se à agricultura
biológica.
Multiplicar o verde das alfaces.
Nunca foi preciso regressar ao real.
O real impõe-se com tanta realeza,
paramentado, ungido, sacerdote
que sacode segredos do capote!
O real reina, rima, rami-
fica-se
num enormíssimo ramo de rosas
antes do suicídio.
Não há esperança
e…, ainda bem.
Pôr a dor à distância
e dedicar-se à agricultura
com pesticidas.
Multiplicar o verde dos venenos.
O que, por real, se entende,
tem sido mal entendido
por gerações de poetas
sem antenas
ou só metade semi-descritivos
que é chão que não dá uvas:
e a fermentação urge toda nua
das uvas bem pisadas por mil putas
prà grande bebedeira cristalina.
Não há esperança
e…, ainda bem.
Viver condor
(transferência de um estado doloroso
para o nome de uma ave de rapina).
Pôr o amor à distância?
Nanja eu. Voar custe o que custar.
Quero o amor mais perto de mim
do que a minha veia jugular;
e quero pôr a dor à distância
mesmo sem esperança.
O real não tem fronteiras.
Impossível separar o real do espírito.
Ou amputar-lhe a mão azul
que se apodera da transcendência.
E aqui é que bate o ponto da distância.
De Deus, já não há verosimilhança,
mas, sim, ausência ou indiferença,
ou a moda da incompreensão de Buda,
que semeou as papoilas do ópio
com os cílios das suas pestanas
e não alfaces.
Não há esperança
e…, ainda bem.
Só a distância é que nos salva?
É melhor tirar a égua da chuva.
O real não perdoa
e…, o amor também não.
António Barahona, in Telhados de Vidro nº.17, Averno
É Domingo. Chove por Timbó. Uma chuva suave e refrescante que me recorda a chuva beirã. Daquela que faz falta, como dizem os homens da lavoura, e que se entranha na terra dando vida nova às árvores e às flores. Terias gostado desta chuva, embora te fizesse falta o cheiro a terra molhada acabada de lavrar e o ligeiro arrefecimento do ar que impele ao primeiro agasalho do Outono.
É Domingo. Chove por Timbó. Passo a tarde a deambular contigo por ruas desertas de gente, com a chuva a refrescar-me a face, como tantas vezes fizemos pelas ruas de Coimbra e de Lisboa. O mesmo passo lento, pausado, marcado pelo ritmo da conversa e por longos silêncios partilhados.
Passou um ano sem passar um dia em que não estivesses por aqui, algures, a fazer-me companhia. Num livro de Agustina, num filme do Ford, num solo de Coltrane, numa carta reencontrada, numa oração recordada, num passeio solitário, numa tarde de bar, com livros espalhados sobre a mesa e pequeninos cartões de anotação preenchidos com uma letra miúda, redonda, inconfundível.
Passou um ano sem passar um dia em que não tivesse contigo longas e reconfortantes conversas noturnas. Por isso, sempre que sinto aproximar-se a egoística dor da saudade procuro-te, como sei que gostarias e, confesso, não me tem sido difícil encontrar-te, Luís Abel.